Hoje apetece-me deambular sobre memórias da infância.
Da minha infância posso dizer que foi feliz, diria mesmo muito feliz. As memórias desses tempos não raro desaguam nas reuniões de família, nas refeições de família, nas festas de Páscoa ou de Natal. Particularmente nas festas de Natal, sempre ruidosas, quase sempre passadas na casa onde nasci, numa vila industrializada do centro do País. Onde os Invernos eram rigorosos e os Verões abrasadores. Onde via e ouvia correr um ribeiro, da janela do meu quarto. Onde o médico vinha a casa sempre que tinhamos uma febre. Onde, no mês de Junho, se saltavam as fogueiras na rua, celebrando os Santos populares. Onde, no Carnaval, os amigos faziam, literalmente, assaltos à nossa casa para ali fazer bailes de máscaras. Onde, no verão, se faziam piqueniques maravilhosos. Onde se fazia uma feira anual com brinquedos artesanais que nunca vi em qualquer outro local. Onde a missa do galo era simplesmente mágica, com a voz magnífica de um dos meus primos a cantar "Glória in Excelsis Deo". Onde o canto da Verónica nas cerimónias da sexta-feira santa nos transportava para o verdadeiro mistério da época. Onde o meu pai trazia os amigos à adega da casa e todos em roda da mesa celebravam a qualidade do novo vinho cantando alegremente "Vai de revira ó vira ó vinho, vai de revira ó vira, ó vinho, e não cai uma gota só", uma lengalenga hilariante. Onde as pessoas tinham um nível de vida bastante razoável, por via do número apreciável de unidades industriais ali existentes, todas dedicadas à indústria têxtil. Onde os livros escolares circulavam entre irmãos e primos, quase até à exaustão. Onde os meus pais viveram toda a sua vida e se esforçaram para tudo nos proporcionar. Estou-lhes eternamente grata por terem sido quem foram, pela educação, o conforto e muito especialmente os valores que transmitiram ás filhas: os valores da família, do respeito pelo próximo, da verticalidade, entre outros igualmente importantes.
Embora não sentisse falta de nada, quis começar a trabalhar cedo.
Na capital claro está, onde enquanto criança, vinha amiúde durante as férias escolares, umas vezes para casa duns tios que viviam no Chiado em plena Rua Garrett, outras vezes para casa de uns primos em Cascais.
Queria ter a minha independência financeira e poder viajar, uma das coisas que ainda hoje mais amo fazer.
Quando comecei a receber os meus primeiros ordenados instalou-se, fixamente, na minha mente, a ideia de adquirir o meu primeiro património !
Por muito que se esforcem, não adivinharão o que foi !
Um carro ? Não, não foi um carro nem sequer ... uma simples bicicleta !
Uma casa ? Não, não foi comprar uma casa !
Pasme-se, o que eu queria mesmo era comprar uma cadeira de baloiço !
Até hoje não entendo o motivo, o que pode ter levado uma jovem de dezoito anos a fixar-se na ideia de adquiir uma cadeira de baloiço ?
O certo é que ficava fascinada sempre que numa loja de móveis me deparava com uma cadeira de baloiço.
E se bem pensado, melhor feito.
E lá apareci, na casa da tia onde fui viver quando comecei a trabalhar, com a dita cadeira, sem saber muito bem onde a iria colocar ou, sequer, ter pedido autorização para a colocar em casa que não era minha. Mas feliz, muito feliz com a minha primeira aquisição, digamos, patrimonial !
Aquela cadeira acompanha-me até hoje.
Durante a minha primeira gravidez e naquela que foi a minha primeira casa, era a cadeira preferida para, no final do dia de trabalho, usufruir de momentos únicos de relaxamento e descontração. Muitas vezes, muitas vezes mesmo, ao som de uma maravilhosa caixinha de música amarela que comprei logo que soube que ia ter um filho. Ainda hoje lembro a música suave daquela caixinha amarela - um pintainho amarelo que piscava os olhos enquanto a música ia fazendo subir o cordelinho, até acabar. Simultaneamente, folheava revistas de decoração, que chegaram a empilhar-se às dezenas, em jeito de coleção.
Um dia vou estudar a influência destas pequenas coisas na nossa mente e nas nossas vidas.
Até porque uma das paixões do meu primeiro filho, penso que conseguem adivinhar qual é !
A música, está bom de ver ! E a minha segunda filha apaixonou-se pela história de arte, que embora seja muito mais abrangente também contempla a estética do mobiliário e da decoração.
E eu ? Porque será que fui impulsionada a comprar aquela cadeira de baloiço ?
Até hoje me faço essa pergunta.
E a resposta, será que algum dia a vou encontrar ?
Vou mesmo ter que estudar a influência de algumas pequenas/grandes coisas na nossa mente e nas nossas vidas, não acham ?
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