As mãos falam e todos sabemos que não é
pelo uso da palavra
Elas expressam-se usando a força do seu
movimento ou por via figurativa ou metafórica
Não há mãos a medir para elencar todo o
potencial encerrado em nossas mãos
Por isso o melhor é meter já mãos à obra
As mãos são capazes de dizer o que a voz
não pode ou não quer transmitir
E podem trair-nos revelando o que não
queremos ou não devemos verbalizar
Daí acontecer lavarmos as nossas mãos
daquilo de que nos queremos distanciar
Ou quando não nos queremos responsabilizar
por algo que sabemos estar errado
Tal como Pôncio Pilatos
Diz-se que temos o destino escrito
nas palmas das mãos
Mas quantas vezes deixamos que ele se
nos escape entre os dedos das próprias mãos
Damos uma bofetada sem mão quando
queremos usar a diplomacia para fazer
sentir a alguém o seu comportamento
errado
Mas ao darmos uma bofetada com mão
falamos de violência física e neste caso o
melhor é emendar rapidamente a mão
São as mãos que nos trazem ao mundo
Mas há quem morra às mãos de outrem que
exerceu pura maldade ou mera negligência
Se queremos dizer que tudo está bem basta
fechar a mão e levar o polegar ao ar
Quando estendemos as nossas mãos com
as palmas abertas na horizontal é sinal que
queremos acolher alguém de forma calorosa
Mas se o fizermos com as palmas das mãos
estendidas para fora na vertical estamos a
dizer basta, a mostrar um claro sentido
proibido
Com as mãos afagamos um animal de
estimação
E com as mãos acariciamos uma criança, um
idoso, um amigo ou um amor
Há ainda as mãos que curam, que aliviam o
sofrimento e a dor
Quando somos ingratos diz-se que cuspimos
na mão que nos deu de comer
E essa comida até pode ter sido feita por uma
cozinheira de mão cheia
Por vezes precisamos de arregaçar as mangas
e por as mãos na massa
Quando esfregamos o polegar no indicador
isso também é indicador de massa
Só que pôr as mãos nessa massa tem um
sentido radicalmente oposto ao primeiro
Em jeito de súplica levantamos as mãos ao
céu
E podemos abrir mão daquilo que já não
nos serve ou já não nos convém
Se queremos apontar para algo ou alguém
fechamos a mão e esticamos o indicador na
horizontal
Porém, se se trata de fazer uma advertência
ou uma ameaça é necessário que o indicador
fique na vertical
Nesse caso tendemos a projectá-lo bem
próximo do rosto do outro
As mãos podem ser de ouro quando são
habilidosas
E podem ser de fada quando são delicadas
e generosas
Mas quando queremos ver feita justiça o que
se exige é mesmo uma mão de ferro
Se alguma coisa nos chega de forma fácil
diz-se que foi conseguida de mão beijada
Mas quando não conseguimos levar uma
missão a bom porto por vezes temos que
pedir uma mãozinha emprestada
Se a ajuda está por perto é porque ela está
à mão de semear
Já se ela está distante então é porque está
fora de mão
Há mãos que constroem e há mãos que
destroem
E por vezes as mesmas mãos fazem
ambas as coisas
Se confiamos nos outros podemos até
colocar-nos nas suas mãos
Há coisas que passam de mão em mão
E há pessoas que levamos pela mão
Fechamos a mão esticando o indicador
e o médio quando cantamos vitória
Esticamos apenas o médio quando
queremos ser matreiros ou brejeiros
Diz-se que ao menino e ao borracho mete
Deus a mão por baixo
Se temos as mãos frias é porque temos o
coração quente
Quando alguma coisa não nos vai de feição
um alto e pára o baile com a mão esticada
ajuda a pôr os pontos nos í’s
Por vezes há que pôr a mão na consciência
não basta achar que uma mão lava a outra
e as duas lavam a cara
Nunca lavámos tantas vezes as mãos como
durante a última pandemia
Foi-nos dito que assim poderíamos salvar
vidas, as nossas e as alheias
Mas todos sabemos que a assepsia em
excesso nos pode dar cabo das defesas
E de mão na testa tentamos descortinar
o sentido de nos venderem uma ideia
seguida do oposto da mesma
É certo que quando não temos mão na
lógica fica tudo baralhado
Não sei se o poder das mãos deriva ou se
alimenta da interpretação artística do Génesis,
o primeiro livro da Bíblia
Que nos diz que do pó Deus criou o
primeiro homem
E que pelo contacto entre a mão direita do
Criador e a mão esquerda de Adão se acendeu
a centelha divina
Assim se criando a vida do homem à face da terra
Sempre sob o poder simbólico das mãos
A LINGUAGEM SIMBÓLICA DAS MÃOS ©
Helena Cavacas Veríssimo
24 Junho 2024
Arte: "A Criação de Adão", Michelangelo
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