Nunca vi o berço onde nasci
Mas sei que nele havia quentes
mantinhas de lã e imaculados lençóis
sempre bordados a ponto de ternura
Foi colocado próximo duma janela
que virava a poente. Por ela, ao fim
da tarde, entravam os mais brandos
raios da luz solar. Vinham por vontade
própria e para comigo adormecerem,
tranquilamente
De manhãzinha, pela alvorada, um
riacho saltitante e diligente teimava
em vir-me despertar.
E no alegre deslizar das suas águas
tomava por sua a missão de dar
eco ao meu inocente gargalhar
Namorando a janela sul e em seu
porte altivo lá estava a laranjeira, a
minha grande companheira. Sempre
que floria, o seu perfume inundava o
meu berço e, por sua generosidade,
inebriada se tornava a casa inteira
Ao mais leve choro de criança os
braços maternos viravam mãos de
fada, na plenitude da sua magia.
Sempre com o condão de adivinhar
se o meu choro era fome ou qual
seria a dor que chorar me fazia
Nunca vi o berço onde nasci
Mas sei que era um berço d'ouro
Pois d'ouro foi tudo o que nele vivi
BERÇO D’OURO ©
Helena Cavacas Veríssimo
20 Maio 2024
Arte: O berço, Berthe Morisot
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