CHANSON D’AMOUR ©️
- Helena Cavacas Verissimo
- 11 de abr.
- 2 min de leitura
Atualizado: 14 de abr.
Subi aquela escadaria íngreme e infindável a praguejar contra o Vicente, que se havia voluntariado para organizar este almoço de 30 primos oriundos do ramo Vasconcelos da família, todos com idades entre os 55 e os 60 anos, muito chegados até aos 25/30 e agora distanciados por via das circunstâncias de vida de cada um.
O restaurante estava longe de se situar num local inóspito e sem graça. Pelo contrário, a envolvente era encantadora e a vista uma imensidão de água prateada digna de se lhe tirar o chapéu.
- Oh, mon Dieu, quelle vue. Regarde ça, ma cousine.
Concordei, com um ligeiro abanar de cabeça, com a prima Joana, ofegante no seu vestido justo, rendado e de decote muito ousado, acabada de chegar de Neuilly-sur-Seine, onde vive há mais de 15 anos, uma coquete de ar provocador que se afrancesou e se rebatizou de Jeanette e que nos idos anos da juventude partira o coração de Duarte, um dos primos convocados para este encontro. Que o diga o quarto dos avós Vasconcelos, testemunha dos furtivos encontros dos azougados DJ, quando ali se refugiavam para viver os seus arrebatamentos de amor.
Por decisão consensual, não permitimos que se nos atracassem apêndices de qualquer natureza, fossem eles cônjuges, filhos, netos ou amantes.
Será possível retomar a ligação entre todos nós naquele ponto longínquo onde ela se começou a diluir? Seremos nós, agora, apenas um grupo de estranhos? Estaremos maioritariamente velhos, feios e gordos e sem nenhum espírito de humor? Sendo que aquelas características, casando com uma boa disposição, até poderiam fazer deste encontro algo, quiçá, bem alegre e divertido.
Alcançada a sala destinada aos Vasconcelos, fomos invadidas por um aroma maravilhoso e muito familiar que nos transportou, a ambas, para os almoços das férias de verão das nossas infâncias.
- Jeanette, será carne de porco à alentejana, a especialidade da avó Mimi ? Murmurei com ar surpreendido.
E logo nos deparámos com uma roda de 28 cabeças, umas carecas, outras de neve pura e ainda algumas de um louro oxigenado, debruçadas sobre a enorme frigideira colocada ao centro da enorme mesa. Entre gritinhos de prazer, olhos brilhantes, bochechas coradas, braços esquerdos levantados com garfos em riste, braços direitos sobre o peito permitindo que os narizes quase mergulhassem no aromático pitéu, a que o garfo do Duarte já se havia atirado, a cena não podia ser mais hilariante.
- Bonjour, tout le monde! Gritou Jeanette.
As cabeças levantaram-se, os braços baixaram-se, todos rodaram em direção da porta e sentiu-se uma espécie de terramoto naquela sala. Um abanão de grau 28 na escala familiar.
De tão extasiado com a visão, Duarte deixou que o bocadinho da tenra carne presa ao seu garfo se soltasse e fosse aterrar bem no centro do profundo decote da Jeanette. Atrás veio o próprio Duarte em pura excitação, afogando-se, deliciado, naquele mesmo lugar, que se lhe oferecia, agora, duplamente apetecível.
Enlaçou Jeanette e fizeram-se ouvir os acordes da mais desejada Chanson d’Amour.
©️ Helena Cavacas Veríssimo
03 Abril 2025
Arte: Dança no Campo, Renoir

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